Ouço considerações de todo tipo acerca da condição feminina. Uns dizem que há excesso de atribuições da mulher nos dias atuais, que por isso viveria cansada e irritada; que as mulheres ao trabalharem fora de casa não dão a devida atenção aos filhos, compensando-lhes com bens materiais e assim segue o desfile de alucinações e devaneios, em pleno século XXI.
é difícil, dificílimo diria eu, enfrentar tantas considerações em um breve escrito, sobretudo quando nós mulheres, mesmo sem desconsiderar, de todo, aspectos biológicos, precisamos reconhecer que temos, ao longo dos séculos, nos tornado as mulheres que somos à luz de concepções históricas, sociais, psicológicas e religiosas, quando não machistas, patriarcais, certamente.
é por isso que, por vezes, mulheres e homens deixam de enxergar que, por trás do argumento do cansaço feminino, por exemplo, há a mensagem subliminar de que a mulher deveria ser poupada, ficar em casa, cuidar dos filhos e coisas assim; ou que não conseguem encarar com naturalidade a circunstância de que a mãe pode, além de parir, amamentar, amar e cuidar, recompensar materialmente os filhos com o fruto do seu trabalho.
Já os que condenam a discussão sobre gênero – muitas vezes reduzindo-a a questões de sexualidade (ou até mesmo de homossexualidade) – ou os que não percebem que não se deveria esperar da mulher o comportamento de sujeitar-se a ter o marido como prioridade zero na vida dela, esses, que ainda estão entre nós por todos os lados, não fazem a menor ideia do que é uma mulher.
E alguém saberá? Quem poderá explicar? Somos mulheres ou nos tornamos mulheres?
Muito se celebra a capacidade da mulher de gerar vida. Esta é uma característica feminina, sem dúvida, peculiar e transformadora. Mas, entendo que, quando se fala em gerar vida, essa capacidade vai além de ser mãe (o que, de modo algum, define uma mulher – esclareça-se).
Sempre me causa comoção lembrar, que o primeiro milagre do Cristo foi realizado por intercessão de uma mulher. Porque ela se compadeceu primeiro, da água antes posta em pedras verteu o mais precioso vinho.
Escondida nas entrelinhas da história das bodas de Caná, é possível encontrar uma ode à mulher. Nela, há a descrição de um ser livre para ir além da razão e usar a emoção, a compaixão, encarar as próprias fragilidades para pedir a ajuda necessária ao outro, como a mãe pede ao Filho; ao tempo em que O incita à realização de um feito para o qual Ele sequer se julgava preparado, expressando a Ele seu amor e sua fé. Desse jeito, além de gerar vida, vê-se na mulher o poder de transformá-la, alegrá-la, enchê-la de sentido e beleza.
Foi o que fez Maria, naquele santo dia em Caná, e é o que fazem tantas Marias ainda hoje, todos os dias.
Penso que essa é a liberdade que deve ser reconhecida à mulher. Uma sorte de liberdade muito simples, de ser quem ela é, de viver sua verdade feminina sem precisar cumprir nenhum papel. Livre para percorrer o caminho que desejar, afinal como já disse Antônio Machado ao caminhante, não há caminho, faz-se o caminho ao andar.
Desde Eva, passando por Maria Madalena, Joana D’Arc, Maria Antonieta, Catarina da Rússia, Chiquinha Gonzaga, Simone de Beauvoir ou Frida Kahlo, cada uma fez seu caminho. As célebres e as anônimas também, aos borbotões. Todas são capazes de fazer a diferença nas vidas que tocam e todas as contribuições são valiosas nesse processo de libertação.
Cada uma pode encontrar seu modo de viver e seu espaço, público e privado, inspirando outras mulheres e mesmo se fazendo ouvir para dizer que não pedimos favores ao nosso gênero. Sem cobranças, nem necessidade de adequar-se a fórmulas ou padrões.
Que, por ocasião deste oito de março, possamos entender que a liberdade de todas deve ser respeitada. Afinal, ser mulher não é uma condição limitante ou subalterna, senão um convite a uma permanente e livre construção da própria individualidade.
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Paula Emília Moura Aragão de Sousa Brasil é juíza federal da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Ceará. Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1998 – bacharela Magna cum Laude), mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (2007).