Decisão construída em conjunto por todas as partes responsáveis pelas cirurgias pretende por fim à longa espera imposta aos pacientes
A amplitude do problema exigia uma solução sistêmica, duradoura. Um desafio que só poderia ser transposto com sucesso se enfrentado em parceria por todos os entes que compõem o processo. Trata-se da espera de, em média, quatro anos a qual vêm sendo submetidos pacientes em estado grave, que necessitam de cirurgias ortopédicas de alta complexidade no Ceará. Essa realidade decorre primordialmente da dificuldade na aquisição de próteses e órteses, com altos preços, e da existência de apenas dois hospitais em nosso Estado habilitados junto ao Ministério da Saúde para realização desses procedimentos. Somados a esses fatores, tem-se ainda outros que assolam de modo geral a saúde em nosso país, como a escassez de verba, a falta de estrutura e de profissionais.
O problema gerou uma Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal em face da União, do Estado do Ceará, do Município de Fortaleza e do Hospital Universitário Walter Cantídio, com a pretensão de resolver o drama causado na vida de milhares de pacientes, que sofrem na fila de espera por uma cirurgia ortopédica de alta complexidade. Atualmente em fase de execução provisória, a decisão que determinou a viabilização das cirurgias precisava agora de um cronograma que tornasse essa prestação uma realidade. “Analisando de forma sistêmica, vi que não adiantaria dar apenas uma ordem e fixar prazos, pois a decisão acabaria por ser descumprida, porque não geraria uma solução real. Teríamos que encontrar juntos uma forma para resolver isso. É um absurdo que no Ceará não se faça essas cirurgias a não ser por decisão judicial”, pontuou a juíza federal Cíntia Menezes Brunetta.
Audiências transformadas em reuniões
A magistrada explica que optou por construir uma decisão em conjunto com as partes. Algo capaz de quebrar a sucessão de empecilhos que perpetuam a fila para as cirurgias ortopédicas de alta complexidade. A intenção era fazer com que os entes encontrassem, eles mesmos, as saídas a partir de suas possibilidades reais, estipulando um cronograma executável e pondo fim à judicialização sistemática para a realização desses procedimentos. “Esse processo é extremamente trabalhoso, ao invés de dar a decisão com uma única audiência, estamos aqui na quinta audiência e já está marcada a sexta. Só não podemos esquecer de um fato fundamental: estamos resolvendo a situação de uma forma universal, global. Estamos aqui resolvendo o problema de milhares de cirurgias, enquando muitos processos tratam de forma individualizada de um caso”, enfatizou o Advogado da União José Salvador de Paiva Cordeiro.
Reunir os gestores da saúde nas esferas da União, do Estado e do Município foi a estratégia traçada. “Os gestores têm dados e conhecimentos diferenciados, que por vezes não chegam ao conhecimento do magistrado, nem do Ministério Público”, ressaltou o Procurador da República Alexandre Meireles Marques. A juíza revela que as discussões em busca de soluções passaram a ser tão participativas, que os envolvidos passaram a chamar as audiências de reuniões. E ao final de cada uma dessas “reuniões” a juíza determinava “tarefas” a serem desempenhadas por cada um dos gestores. As atribuições envolviam medidas de organização e qualificação da fila, identificação precisa dos recursos necessários para cada tipo de cirurgia, valores praticados no mercado, celebração de convênios, propostas concretas de cumprimento das soluções. Essas atribuições distribuídas e cumpridas foram construindo de forma gradativa caminhos para solução.
“É a iniciativa mais adequada porque esclarece, organiza e dá consistência ao processo e mostra que cada um de nós tem uma função a mais do que simplesmente executar uma determinação”, avalia a Diretora da Secretaria de Atençao à Saúde do Ministério da Saúde, Maria Inês Gadelha.
Todos falam, mas somente em audiência
Com a sequência de audiências, a juíza optou por ouvir as partes somente durante os encontros. Nesses momentos, documentos, apresentação de mídias, argumentos, estratégias, tudo era exposto para todos os envolvidos. Isso evitou a abertura de prazos sucessivos e possíveis discordâncias geradas por má interpretação. “O juízo da 6ª Vara compreendeu que o problema é complexo, que não se pode simplesmente mandar cumprir, mas que existem óbces administrativos, burocráticos e a própria dificuldade do mercado de próteses”, confirmou o Procurador do Município de Fortaleza, Martônio Mont’Alverne Barreto Lima.
“Em determinado momento as partes chegaram a pedir que eu decidisse logo, pois de início não conseguiam enxergar progresso na discussão. O que ocorria era que não podíamos contar com uma linearidade nesse desenvolvimento, pois à medida que tínhamos mais informações, algumas vezes era necessário modificar o que já havia sido acertado antes”, explica Cíntia Brunetta. “No momento que a condução deu possibilidade para os gestores apresentarem soluções, alternativas e dinâmica metodológica para encontrar uma saída, houve a possibilidade de usar outras ferramentas e a análise jurídica ficou mais transparente”, assevera o Coordenador de Gestão Clínica da Empres Brasileira de Serviços Hospitalares, José Eduardo Fogolin Passos.
Os resultados
Esse trabalho conjunto descortinou alguns entraves essencias que empediam a realização das cirurgias ortopédicas de alta complexidade. Entre eles, o mais imediato era o preço praticado pelo mercado cearense em órteses e próteses, pois nem mesmo os dois hospitais habilitados no Ministério da Saúde, com infraestrutura e profissionais especializados podiam fazer a fila andar pela falta do material específico. Com a adesão de uma Ata de Registro de Preços do Hospital das Clínicas de Pernambuco, teriam-se uma solução a curto prazo para essa questão. “A audiência de hoje foi fundamental porque pegou no ‘x’ da questão, que é a aquisição das órteses e próteses. O custo que estávamos tendo em licitação era muito alto, diante da possibilidade de aderirmos a essa ata, tudo indica que será um grande avanço” comemorou a representante da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, Lilian Alves Amorim Beltrão.
O gerente da Central de Regulação de Internação de Fortaleza, Mozart Ney Rolim, também endossa os resultados alcançados. “Vemos uma grande possibilidade de colocar a fila para andar novamente, dentro de uma cadência razoável de acontecimentos”, afirmou. A gerente de atenção à saúde do Hospital Universitário Walter Cantídio, Josenília Maria Alves Gomes, também está otimista e vislumbra uma solução a longo prazo com as medidas adotadas. Ela afirma que se o fornecimento regular de órteses e próteses se mantiver a tendência é que o problema da fila seja resolvido.
A viabilização de convênios com outros hospitais também foi contemplada, como a determinação de convênio com o Hospital Fernandes Távora, em Fortaleza, com o Hospital São Raimundo que atenderia a demanda da Região do Cariri e cincunvizinhas, além do Instituto Práxis de Educação, Cultura e Ação Social, com o devido repasse de verbas. Um gerenciamento mais apurado da fila para as cirurgias ortopédicas de alta complexidade também foi priorizado, incluindo atualização do contato de cada paciente, disponibilização de um número gratuito (0800-2751520) para os pacientes não encontrados. Decidiu-se também por se proceder à qualificação e consolidação das cirurgias constantes na fila. Além de dipor que especialmente do Hospital Universitário Walquer Cantídio e Estado do Ceará deverão seguir estritamente a lista única regulada pelo Município de Fortaleza, ficando consignado que novas inclusões de pacientes se darão somente por meio da central de regulação do Município.
Essas são apenas algumas das medidas que vem dando forma à execução provisória. Incluindo, obviamente, a fixação de calendário apresentada por cada um dos entes. “Inicialmente já temos cerca de 200 cirurgias concretas a serem feitas, dentro do que foi viabilizado. O que já é um grande diferencial, já que todas as cirurgias que foram realizadas ano passado foram fruto de decisão judicial”, destaca o Procurador da República Alexandre Meireles. Hoje o sistema único de saúde passa por um processo de judicialização que é muito atroz. O que vem acontecendo aqui no estado do Ceará utilizando por base uma demanda específica para cirurgia de ortopedia de alta complexidade, a forma com foi conduzido e trabalhado, não só por parte da juíza, mas por parte dos gestores municipal, estadual e federal, com a representatividade do Hospital Walter Cantídio e da Empres Brasileira de Serviços Hospitalares, traz uma nova possibilidade na condução dessas demandas específicas em todo o Brasil”, afirmou o representante da EBSERH, José Eduardo Fogolin Passos.
“Esse tipo de solução dá mais trabalho e exige mais tempo, mas a longo prazo leva a uma continuidade da solução, uma solução estável. Mesmo se o STJ reforme a sentença, nada do que foi conquistado vai retroagir, isso é o mais relevantes. Mesmo que eu tenha que extinguir essa execução provisória tudo vai continuar tendo o curso que foi conquistado”, explicou a juíza federal Cíntia Menezes Brunetta.