“Interessa proteger a vida pela vida; a Mãe Terra pelo que ela representa” (juíza federal Germana Moraes)
A Justiça Federal no Ceará (JFCE) em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) promoveu o Seminário Internacional “Os Direitos da Natureza e os Princípios Emergentes de Direito Ambiental”, com vistas a debater os Diálogos Interativos das Nações Unidas sobre Harmonia com a Natureza, e que visam subsidiar o tratamento internacional da ONU sobre o tema. O evento aconteceu nessa sexta-feira, 19/08, na Sala de Sessões das Turmas Recursais, edifício-sede da JFCE.
O Seminário divulgou as iniciativas do Instituto Global Judicial sobre o Meio Ambiente, fundado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em abril deste ano, no Primeiro Congresso Internacional sobre Direito Ambiental, e, em especial, os princípios emergentes do Direito Ambiental. A Conferência de abertura do Seminário foi realizada por Maria Mercedes Sanchez, coordenadora do Movimento Harmonia com a Natureza das Nações Unidas e articuladora dos processos intergovernamentais da Assembléia Geral das Nações Unidas. O diretor do Foro da JFCE, juiz federal Bruno Carrá, procedeu à abertura do Seminário, onde destacou os avanços nas conversações sobre os direitos da natureza.
Por que não refletir sobre os ecossitemas marinhos?
A pergunta veio no primeiro painel do Seminário, que buscou discussões sobre Direito Ambiental, Desenvolvimento sustentável e Harmonia com a Natureza. A professora doutora Tarin Mont’Alverne, professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, que iniciou os trabalhos do primeiro painel, lançou o questionamento sobre a preservação das biodiversidades aquática e marinha, diante do cenário de discussão em torno da biodiversidade terrestre. Ressaltou a sua preocupação, diante de pesquisas que realizou, e que denotam os males causados aos recursos marinhos pela expressão da ocupação humana.
Desenhou o atual quadro do contexto brasileiro, quanto à preservação dos oceanos e mares, integrante e essencial para a sobrevivência humana, incluindo em sua conversa a omissão do País em relação à Amazônia Azul: “ainda não temos noção do que é a Amazônia Azul”. Citou as dificuldades para fiscalização da costa brasileira, a área marinha, sobretudo: “Há poucos avanços na proteção da biodiversidade marinha. Não compreendemos, ainda, a riqueza excepcional da Amazônia Azul”, argumentou a professora Tarin, que é doutora em Direito Internacional do Meio Ambiente. Há uma considerável lacuna jurídica. O atual quadro jurídico no Brasil não oferece segurança para a efetivação de políticas de preservação dessas áreas, concluiu.
Práticas sustentáveis
O professor doutor e juiz federal João Luís Nogueira Matias, que participou do primeiro painel, conduziu suas reflexões citando práticas sustentáveis, no contexto da Harmonia com a Natureza. Licitações sustentáveis, efetivação das funções social, ambiental e ecológica da propriedade e a resolução CMN 4.327/2013, que exige das instituições financeiras a implantação de política de responsabilidade sócio-ambiental deram o prumo às reflexões do magistrado federal.
Cordel e a Harmonia com Natureza
Um dos destaques do Seminário foi a participação do juiz federal Marcos Mairton, que, dentre as ações da magistratura federal, é poeta, cordelista e compositor. E não foi outra a conversação do magistrado ao conduzir suas reflexões sobre o tema do primeiro painel? Numa ambientação de prosa e verso, o magistrado poeta trouxe a platéia para um questionamento: “Como pode a Natureza ser sujeito de direitos?!” Em tom de exclamação, o juiz federal Marcos Mairton buscou na literatura elementos que pousaram num só plano da existência a humanidade e a natureza, Como sobreposicionar um ao outro?
Ama Suwa, Ama Llulla, Ama Quella
Expressões da demodiversidade, foram bem colocadas na palestra do professor doutor Fernando Antônio de Carvalho Dantas, ao dispor conteúdos antropológicos sobre Constitucionalismo latino-americano, direito indígena e princípios emergentes de Direito Ambiental. De prumo, o professor doutor Fernando Antônio, que é professor do Programa de Pós-graduação em Direito Agroambiental da Universidade Federal do Mato Grosso, criticou os movimentos mecanicistas, instrumentais e capitalistas que tiram da natureza mais do que se necessita.
Mas, as expressões “Ama suwa, ama llulla, ama quella”? Ao citá-las o professor falou que são antigos princípios que sintetizam extraordinariamente a moral que todos nós devemos ter. São princípios da cosmovisão andina e simbolizam um paradigma para o mundo moderno: “Não roubar, não mentir, não ser preguiço”. Esses preceitos do idioma Quechua, que foram incorporados na Constituição boliviana, são diretrizes morais que estão agora na ONU, afirma Fernando Antônio: devemos agir com transparência e honestidade o tempo todo; a verdade nos dará a liberdade; devemos incutir amor ao trabalho e pesquisa e expressar que esta será a chave para o sucesso na vida. A contribuição dos povos andinos induz à transformação nas condutas, atitudes e pensamentos, para a sobrevivência da humanidade e da natureza, sintetiza o significado das expressões o professor doutor Fernando Antônio, que espraiou sua experiência na área do Direito Socioambiental, indígena e direitos humanos.
Século XXI – Era dos Direitos da Natureza
A reflexão da professora doutora e juíza federal Germana Moraes, que coordenou o Seminário Os Direitos da Natureza e os Princípios Emergentes de Direito Ambiental, juntamente com o professor doutor e juiz federal Bruno Carrá, enriqueceu os conteúdos do segundo painel: Constitucionalismo latino-americano, direito indígena e princípios emergentes de Direito Ambiental. “Acredito que o século XXI passará à História como a Era dos Direitos Humanos. Dos direitos da Mãe Terra. Dos direitos de Pachamama”, exclamou a magistrada federal.
Incansável, nos âmbitos nacional e internacional, a professora doutora Germana Moraes caminhou em suas reflexões com os participantes nas suas mobilizações, articulações e sensibilizações perante os países latino-americanos e em nosso País, pelo reconhecimento de uma condição natural da interdependência entre todos os seres que habitam a terra: a harmonia com a natureza. Destacou que é no constitucionalismo dos Andes que ocorre o que denominou “salto do ambientalismo”, dadas as contribuições político-jurídicas do constitucionalismo latino-americano. Ainda, em sua fala, mostrou-se otimista com o crescimento dos diálogos sobre a “Harmonia com a Natureza (Harmony With Nature), desde a Constituição Boliviana, em 2009, aos diálogos interativos das Nações Unidas. Lamentou, no entanto, a juíza federal, que é coordenadora nacional, no Brasil, da Rede pelo Constitucionalismo democrático latino-americano, que essas discussões ainda passam por omissões, em discursos acadêmicos do Direito no Brasil. “Ainda há restrições para essas novidades no âmbito do discurso sobre a natureza”, destacou.
Direitos da Natureza!
O final do seminário ainda guardava uma bela surpresa: o pré-lançamento do livro Direitos da Natureza. Primeira obra escrita (daí entender a exclamação do subtítulo) sobre o tema, no Brasil, a autora, a professora doutora Vanessa Hasson de Oliveira, apresentou seus estudos, inseridos numa nova concepção não antropocêntrica do direito, e mais próxima do bem viver, que tem sido acompanhado por diversos lugares no Planeta. “De valor acadêmico inestimável, esse livro desvela uma pérola”, afirma a juíza federal Germana Moraes.
A professora doutora Vanessa Hasson, que é especialista em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo, e coordenadora do Movimento Direitos da Natureza no Brasil, apresentou o último painel: “Os direitos da Natureza no Brasil”. “A necessidade de se praticar de forma tão intensa a interdisciplinariedade, para estudar o problema ecológico, exige, então, que tenhamos um paradigma unificador, capaz de articular explicações de natureza sociológica, econômica, jurídica, biológica, filosófica e, até teológica”, aduz a professora doutora que também é diretora da OSCIP MAPAS – Métodos de Apoio à Praticas Ambientais e Sociais.
Parcerias e apoios
O Seminário Os Direitos da Natureza e os Princípios Emergentes de Direito Ambiental teve o apoio do Núcleo Seccional da Escola da Magistratura Federal da 5ª Região, da Rede pelo Constitucionalismo democrático latino-americano no Brasil e da Rede dos Diálogos das Nações Unidas sobre Harmonia com a Natureza. Os juízes federais Bruno Leonardo Câmara Carrá e Germana de Oliveira Moraes coordenaram o evento.
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