A Seção Judiciária da Justiça Federal no Ceará mobiliza sociedade para uma participação ativa de consolidação da democracia e respeito aos direitos humanos no Brasil
“A importância de se resgatar a verdade e de se construir uma memória crítica sobre o período da ditadura militar não se deve apenas ao interesse histórico, tampouco se insere nos estreitos limites das dimensões individual e coletiva”. A reflexão é do juiz federal Ricardo Aguiar de Arruda, que coordenou nos dias 24 e 25 de outubro, quinta e sexta-feira passadas, o Seminário Direito à Memória e à Verdade”. O evento ocorreu no auditório do edifício-sede da Justiça Federal no Ceará.
O Seminário apresentou uma análise da chamada “justiça de transição”, discutida nos países da América do Sul, sobre a Comissão da Verdade, o direito fundamental à verdade, o Caso Araguaia, as possibilidades de superação da Lei de Anistia e o papel da Igreja no período autoritário.
A Justiça Federal no Ceará se colocou à disposição como palco para realizar, para ajudar a divulgar e promover essa reflexão profunda e crítica sobre esse específico momento da história brasileira. Para o juiz federal Ricardo Aguiar de Arruda, “a Justiça Federal não poderia ficar de fora desse debate: ações estão sendo ajuizadas, inclusive penais, a despeito da Lei da Anistia, visando punir os responsáveis por desaparecimentos forçados no período da ditadura militar”.
“Feridas só cicatrizam bem se tiverem bem limpas”
A frase é da ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, em resposta às indagações sobre medidas de seu governo para aprofundar o conhecimento às pesquisas de apuração de fatos do governo ditatorial de Pinochê. Se aquelas medidas não iriam reabrir feridas já cicatrizadas na história do Chile. A reflexão é do diretor do Foro da Justiça Federal no Ceará (JFCE), juiz federal Leonardo Resende Martins, no discurso de abertura do Seminário.
A busca através da verdade, do resgate da memória, pode promover uma reconciliação das pessoas, considerou o magistrado federal. “Mais que isso, uma reconciliação com os valores democráticos, os valores do diálogo, do respeito, da participação, do controle social, da cidadania e da pessoa humana. A reconciliação só pode ocorrer através do debate franco, mais profundo: A Justiça Federal abre esse espaço junto com a sociedade civil para aprofundar as reflexões a cerca de tema tão importante, não só para o passado, mas, sobretudo, para o presente e o futuro dessa Nação”, exortou.
Ainda em seu discurso, o diretor do Foro da JFCE afirmou: “temos que reconhecer que ainda persiste infelizmente na cultura brasileira uma cultura de cunho autoritário”. Lembrou o juiz federal que 25 anos depois da promulgação da Constituição brasileira, celebrada no último dia 5 de outubro, apesar dos notáveis avanços que não podemos deixar de reconhecer, os aspectos positivos que já conseguimos construir como sociedade democrática, apesar desses avanços, ainda persiste uma cultura de repressão às liberdades fundamentais.
Temas discutiram os fatos ocorridos entre 1965 a 1985 – período da ditadura militar.
Idealização dos juízes federais Ricardo Aguiar de Arruda e Leonardo Resende Martins, coordenado pelo primeiro, o evento proporcionou reflexões sobre as atividades da Comissão Nacional da Verdade, sua estrutura e escopo. Para tanto, foi convidado o ex-coordenador dessa Comissão, Cláudio Fonteles. Contribuíram com as reflexões introduzidas por esse tema os advogados Mário Albuquerque (presidente da Comissão Federal da Anistia Wanda Sidou) e Walmir Medeiros (coronel reformado do exército).
Sueli Bellato (Comissão de Anistia do Ministério da Justiça), Ana Maria D’Àvila (Universidade de Fortaleza) e o jornalista Lucas Figueiredo levaram discussões em torno do Direito Fundamental à Verdade. O Caso Araguaia entrou no cenário das conversações com Roberto de Figueiredo Caldas (juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos), Marcelo Ribeiro Uchoa (Universidade de Fortaleza) e Pedro Albuquerque (Universidade de Fortaleza).
Sobre o tema a Justiça de Transição na América Latina, discutido no segundo dia do seminário, Walih Damous (presidente da Comissão Estadual da Verdade – RJ) destacou o papel da OAB Nacional em campanha realizada para chamar a sociedade à discussão dos direitos que foram cerceados durante o período da ditadura militar, os desaparecimentos forçados nesse período. Observou que as narrativas históricas desse período cheguem à Justiça Federal com lucidez, para que se possa reproduzir essa história.
Perly Cipriano (membro da Secretaria Especial de Direitos Humanos) acompanhado do procurador da República no Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Gardenghi Suiama, e do juiz federal George Marmelstein (JFCE), conduziram a platéia à discussão sobre a Lei da Anistia e a possibilidade de superação de conteúdos dessa Lei.
O final do seminário guardou momentos emocionantes. Maria Luiza Fontenele (ex-prefeita de Fortaleza), Tarcísio Leitão (advogado) e Inocêncio Uchoa (juiz do trabalho aposentado) extraíram para o presente suas reflexões, experiências e vivências no período ditatorial. Alternou-se essa trindade no debulho da Repressão no Estado do Ceará. Os relatos das humilhações a que se submeteram durante o período ditatorial, as prisões, os convívios no anonimato, sem uma identidade, emocionaram a todos.
O último tema do Seminário foi a Igreja e a Ditadura Militar. Nildes Alencar (professora), irmã mais velha de Frei Tito, e Francisco Moreira Ribeiro (Universidade de Fortaleza), falaram sobre os grupamentos religiosos formados por jovens católicos, em busca de um sonho: a liberdade, a democracia. Pensamentos, músicas, textos, vivências e práticas espirituais do período ditatorial foram relatados pela professora Nildes Alencar, que se dispôs a ler fragmentos de textos escritos por Frei Tito.
Dentre tantas personalidades que compareceram ao Seminário, entre estudiosos dos temas, estudantes, personagens vítimas desse período ditatorial, servidores e magistrados da JFCE, o Seminário contou com a presença de Dom Edmilson Cruz, que com sua história e coerência entre o pensar e o falar, sobretudo, com o agir, torna-o uma referência ética para o nosso País.
O Seminário Direito à Memória e à Verdade foi uma realização conjunta da Escola da Magistratura Federal – Núcleo Seccional do Ceará, em parceria com o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região e a Escola Judicial da 7ª Região.
Momentos marcantes
{galeria}noticias/2013/10/31/SLIDE/{/galeria}