JFCE abre espaço para discussão de questões de extrema relevância e complexidade para a sociedade
A Justiça Federal no Ceará realizou, de 29 a 31 de agosto, no auditório do edifício sede (Centro), o Curso Judiciário, Conflitos Coletivos e Movimentos Sociais. O evento reuniu magistrados das diversas unidades da Justiça Federal e Justiça Estadual, servidores, estudantes e operadores do direito, com o objetivo de buscar solução de conflitos coletivos, propiciando uma reflexão sobre o papel do Judiciário na apreciação de demandas complexas e sensíveis do ponto de vista social, econômico e humanista. O curso foi transmitido em Língua Brasileira de Sinais, pelo intérprete Bruno Rodrigues.
Durante os três dias, palestrantes discutiram temas de extrema relevância para a sociedade. O Juiz Federal, Diretor do Foro da JFCE, Leonardo Resende Martins, abriu os trabalhos afirmando a importância de aprimorar o diálogo entre as instituições, dialogar com o poder Executivo e o poder legislativo, com a sociedade, para assim resolver conflitos, que da maneira tradicional demoraria muito tempo.
A Juíza Federal, Diretora da Escola de Magistratura Federal da 5ª Região/CE, Germana Morais fez um discurso emocionado, enaltecendo a importância do momento. Em suas palavras “conflitos existem para serem harmonizados, pacificados. Mais importante que mudarmos de mentalidade, é mudarmos de sentimentalidade. Precisamos sentir com a mente e pensar com o coração, ressignificando nossas relações com os recursos naturais, com a terra e com os outros seres humanos, indo além das condições materiais.” A juíza ressaltou a presença dos jovens na platéia e falou sobre o sentimento de esperança na juventude dentro dos movimentos sociais que “buscam o que buscamos nesta casa: a justiça”.
O primeiro painel do curso discutiu “Direito à Cidade e Conflitos Urbanos”, com os palestrantes professor Henrique Botelho, Professora Drª Clarissa Freitas e Maria Gorete Nogueira da Federação dos Bairros e Favelas de Fortaleza.
Em seu discurso, a professora Drª. Clarissa Freitas destacou: “não existe processo de priorização de planejamento de urbanização. Não há um padrão de ocupação. Em verdade, a valorização imobiliária implica numa exclusão social, que em muito favorece à invasão de terra.”
O professor Henrique Botelho destacou as transformações que o direito à cidade vem operando em relação não só a estrutura do poder executivo, mas a própria atuação da magistratura. “Como um novo direito que baliza toda atuação do ramo que é o direito urbanístico, ele tem levado inclusive a várias posições dos tribunais, em que os magistrados tem se posicionado em sentenças utilizando-se de um arcabouço legal e também principiológico que surge a partir desse direito à cidade, especialmente a necessidade da participação da população no planejamento urbano, da garantia dos direitos sociais no contexto urbano, moradia, saúde e também no combate à retenção especulativa do solo.”
A representante da FBFF, Maria Gorete Nogueira, falou da necessidade da justiça perto do povo. “Precisamos de uma justiça mais perto do povo. Parece que não queremos travar lutas em nosso bairro. Isso por falta de um programa sério de habitação e de urbanização.” Gorete Nogueira, presidente da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza. Painel.
O professor José Osório de Azevedo Júnior, Desembargador aposentado do TJ/SP, debateu o tema “Despejos Coletivos: limitações jurídicas”, no segundo painel do curso. Os debatedores Juiz Federal George Marmelstein e o Advogado Francisco Cláudio compuseram a mesa e discutiram os direitos à propriedade e os direitos à posse.
No segundo dia, o primeiro painel discutiu o ‘Acesso à Justiça e Reforma Agrária’. Pela primeira vez na história da JFCE, integrantes do Movimento Sem Terra discutiram a sua origem e seus propósitos pela conquista da terra. Ao chamar a platéia presente no auditório de “companheirada”, Glêdison Mendes mostrou uma face didática e oculta à sociedade, dos valores e dos desafios do MST, contextualizando a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, em relação à real ocupação da terra em nosso país.
O Juiz Federal João Luís Nogueira Matias ressaltou a importância da aproximação entre os membros do Poder Judiciário e da comunidade como um todo e destacou em sua palestra “o direcionamento político, transposto para a Constituição e ainda hoje não resolvido, da definição do que é a função social da propriedade. Um tema vital. O Supremo ainda não definiu em que moldes ela deve acontecer, o que repercute na prática e na aplicação da legislação.”
O advogado representante do Ministério da Justiça, Igor Oliveira, palestrou sobre as “Estratégias para aprimorar o diálogo entre Judiciário e Sociedade”. Em suas palavras destacou “a percepção de que grande parte da atuação jurisdicional do Poder Judiciário está vinculada à gestão e administração do que chamamos de política de justiça. A atividade fim é, em grande parte, condicionada por essas questões que a principio se restringem à esfera administrativa. A distribuição da justiça no Brasil deve à gestão e administração interna das instituições que promovem a atividade jurisdicional.”
O painel “Povos Indígenas e Tradicionais” debateu os direitos dos índios com a participação de Ricardo Weibe Nascimento Costa (Weibe Tapeba), representante do Movimento dos Povos Indígenas no Ceará. Ele contextualizou a situação vivenciada pelos povos indígenas no Ceará. “É aqui na Justiça Federal que se resolvem muitos dos conflitos envolvendo demarcações de terras e outras questões. Vemos que a maioria dos juízes já é sensível aos nossos direitos. Contamos com a atuação deles para construir uma sociedade que respeite os direitos das comunidades indígenas”.
O professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Procurador do Estado do Paraná e professor de Direito Agrário e Socioambiental destacou: “Nós, os ‘civilizados’, precisamos ter mais humildade para percebermos que o modo de vida que inventamos não tem futuro. Nosso caminho, assim chamado de desenvolvimento, levará à destruição. Deveríamos aprender com as comunidades indígenas, por exemplo, a viver em interdependência com a natureza, com o planeta”.
No painel “A Assessoria Jurídica Popular e sua contribuição para o diálogo entre o Sistema de Justiça e os Movimentos Populares” a professora Christianny Diógenes, da Faculdade Christus, falou da importância da democratização da justiça em seu discurso, ressaltando “a Assessoria Jurídica Popular que é uma prática política inovadora, desenvolvida por estudantes, advogados e professores, constitui um campo teórico e prático dentro direito, na perspectiva do direito transformador e emancipatório, tem contribuído muito para a democratização da Justiça, de um modo geral, na medida em que tem trazido novas demandas, demandas coletivas, que vem dos movimentos populares, que são os verdadeiros protagonistas das transformações sociais.”
A professora Amélia Rocha, da Defensoria Pública do Estado citou a frase de Tobias Barreto: “O direito não é apenas algo que se sabe; é, sobretudo, algo que se sente.” Em seu discurso, a professora ressaltou: “Precisamos resgatar esse sentido. E resgatando esse sentido, precisamos resgatar a esperança nessa transformação. Isso faz com que possamos aproximar o direito real das vielas, das favelas, o direito das pessoas excluídas, para dentro das instancias de poder. A partir deste momento podemos viver uma realidade de igualdade, com reflexo naquela segurança pública que é ansiada por todos nós.”
A professora Drª da UNB, Ela Wiecko Volkmer refletiu, no painel “Criminalização dos Movimentos Sociais”, sobre como estes movimentos sociais devem ser compreendidos e aceitos pelo Poder Judiciário. “O Ministério Público deve aceitá-los como eles são e estar aberto às reivindicações e às transformações sociais”. Em outro ponto importante da sua palestra, a professora mostrou ao público o texto sobre terrorismo e como isto pode impactar na atuação das pessoas que fazem parte dos movimentos sociais.
No último dia do curso o advogado Demitri Nóbrega Cruz, da Secretaria de Direitos Humanos, apresentou o projeto Estado + Direitos, que integra 19 cidades da América Latina, em ações de intercâmbio de discussões sobre políticas de direitos humanos.
O último painel trouxe ao debate, o tema “Conflitos Socioambientais”. A professora Raquel Rigotto destacou em seu discurso “a reprimarização da economia brasileira, gera o aumento de terras destinadas às grandes plantações de soja, por exemplo. Essas propriedades, em sua maioria, foram tiradas de comunidades carentes que tinham uma reserva muito valiosa de saberes sobre como lidar de forma sustentável com a terra. Essas informações estão sendo descartadas, é como queimar bibliotecas. E mais tarde quando precisarmos de uma alternativa de como cultivar sem destruir, sem utilizar tantos agrotóxicos, as informações estarão perdidas”, alertou a professora Raquel Rigotto, professora da UFC e Coordenadora do Núcleo TRAMAS – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade. Ela palestrou sobre “Conflitos Socioambientais” no curso “Judiciário, Conflitos Coletivos e Movimentos Sociais”
O Defensor Público Federal, Kelery Dinarte também do painel “Conflitos Socioambientais”, e ressaltou: “Analisando grandes obras que o governo brasileiro coloca a disposição da sociedade, como as obras para a Copa do Mundo, vemos que o impacto não recai na moradia dos mais abastados ou poderoso, o impacto maior se dá sobre a população mais carente. Essa é uma forma de racismo ambiental”.
O Diretor do Foro, Juiz Federal Leonardo Resende Martins finalizou o curso com a conferência “Justiça, movimentos sociais e resolução de conflitos”. A promoção do evento foi da Escola de Magistratura Federal da 5ª região/Seccional do Ceará, Faculdade Christus, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares no Ceará e da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Fortaleza.
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