Conheça a importância da técnica nas relações
O Núcleo Seccional da Escola de Magistratura Federal da 5ª Região no Ceará (Esmafe-CE) concluiu nesta sexta-feira, 09/09, o Curso Comunicação Não-Violenta Aplicada ao Judiciário. O treinamento, alinhado a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou conceitos fundamentais da Comunicação Não-Violenta a magistrados e servidores por intermédio de práticas teóricas e vivenciais.
O juiz federal José Eduardo de Melo Vilar Filho, coordenador da Esmafe/Ce, explicou que o objetivo da ação de capacitação foi cultivar habilidades e técnicas para melhorar relacionamentos interpessoais; qualificar a gestão de conflitos; desenvolver comunicação centrada em necessidades; desenvolver comunicação assertiva e não-violenta; oferecer feedbacks efetivos; e condução de reuniões eficientes.
Nós conversamos com a formadora Mayara de Carvalho Siqueira para saber como aplicar o conceito de comunicação não-violenta no dia a dia. Mayara é doutora em Direito pela UFMG, com pesquisa em Justiça Restaurativa Comunitária; Pesquisadora de Pós-Doutorado da UERJ. Mestra em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Estácio de Sá. Coordena a especialização em Justiça Restaurativa da PUC Minas.
1. Quando e como foi o seu primeiro contato com a abordagem do Marshall Rosenberg?
Meu primeiro contato com a obra do Marshall Rosenberg foi por volta de 2010, numa ida curiosa a uma livraria. Vi seu livro mais clássico lá e o título me chamou atenção. Li a apresentação na loja e decidi comprar. Fiquei encantada com a simplicidade e o impacto do modo de se comunicar que ele propunha. Depois disso, a busca foi bem mais intencional. Passei a fazer cursos associados à NVC Academy, nos EUA. E, em 2015, quando mudei para Jerusalém, intensifiquei a prática da comunicação não-violenta em esferas mais abrangentes do que a comunicação intersubjetiva.
2. Como você resumiria o que é a comunicação não-violenta?
A comunicação não-violenta (CNV) apresenta uma maneira de se comunicar ancorada em expressão autêntica e escuta empática. Propõe uma maneira de estabelecer relações consigo, com outras pessoas e em sistemas ou instituições que está ancorada em presença no presente. Para isso, busca identificar aquilo que, nas palavras do Marshall, “está vivo em nós”. Ou seja, como nos sentimos, do que precisamos e em que realmente acreditamos. Ela foca na observação, distinguindo esta dos julgamentos, para tentar identificar sentimentos e expressões de necessidades na comunicação. A CNV é útil mesmo para comunicações triviais, mas é ainda mais transformadora quando consideramos vínculos de convivência, como trabalho, família e vizinhança.
3. No que se baseia uma comunicação não-violenta?
A comunicação não-violenta está ancorada na assunção de responsabilidade sobre a maneira como nos comunicamos, o que inclui o modo como nos sentimos, a satisfação do que precisamos, as decisões que tomamos para isso e os pedidos que fazemos ou deixamos de fazer em convivência.
4. Qual o maior dificuldade da prática no dia a dia?
A meu ver, a maior dificuldade na difusão da comunicação não-violenta é fazermos parte de uma cultura que costuma partir de baixa inteligência emocional. Não temos um domínio de conhecimento e mesmo de vocabulário quanto a sentimentos e necessidades. Costumamos confundir sentimentos com interpretações (ex.: humilhado, diminuído…) e, muitas vezes, pessoas adultas nunca ouviram falar em necessidades humanas básicas, mesmo precisando lidar com elas no dia-a-dia.
5. Qual a importância e benefícios de uma CNV no ambiente de trabalho, especialmente, no judiciário?
Os benefícios são inúmeros e vão desde a construção de espaços de trabalho mais harmônicos e cooperativos a um contato de mais qualidade com jurisdicionados, procuradores e advogados. Conhecendo a CNV, é possível pensar modos diversos para fundamentação, escrita e execução de uma decisão judicial. Além disso, é comum ouvir dos jurisdicionados um impacto positivo quanto à imagem da Justiça quando tem contato com pessoas que se comunicam de forma não-violenta.
6. Você já ministrou muitos cursos de CNV em órgãos do sistema de justiça. Ao aplicar a CNV na rotina dessas instituições, você indicaria as principais mudanças no mindset das pessoas? Quais costumam ser as impressões: mais positivas ou as pessoas tendem a ter certa resistência?
Normalmente, costumo ter feedback imediato de melhora em determinado conflito. Na JFCE, algumas pessoas me procuraram durante a própria execução do curso com relatos como esse. Percebo que as técnicas e ferramentas de comunicação auxiliam bastante mas, muitas vezes, é o conhecimento sobre necessidades e empatia que muda a qualidade da escuta a ponto de transformar as relações.
O maior obstáculo que costumo observar é que algumas pessoas acreditam que um bom profissional é aquele que tem conhecimento profundo sobre o tema-fim da sua atuação, sem necessidade de ter conhecimentos e habilidades sobre a maneira como se comunica. Normalmente, as pessoas que chegam até o curso reportam que gostariam que determinadas pessoas (normalmente vistas como de difícil convivência) também tivessem acesso a esse conhecimento. O grande desafio, a meu ver, é entender que você pode se responsabilizar apenas pelo modo como você se comunica e, sim, isso tem determinado impacto em relação às pessoas com as quais você se relaciona. No entanto, não é possível, nem desejado tentar convencer mais alguém a se comunicar desse jeito.
7. E em que outras situações pode-se usar ferramentas da CNV sem ser no trabalho?
A CNV é útil para qualquer comunicação humana, mas seus efeitos costumam ser ainda mais transformadores em relações de convivência como as que nutrimos com família, amigos, vizinhos, sócios e empregados.