O Brasil pode não ser o país que mais recebe imigrantes no mundo, mas ele tem recebido cada vez mais. Diversas são as situações em que o Direito Internacional tem sido objeto de discussão nas cortes brasileiras. Pode-se destacar mais recentemente a entrada de venezuelanos no Brasil na fronteira com o Estado de Roraima. No cenário internacional, é possível lembrar da situação de menores brasileiros em albergues americanos.
Em vigor há um ano, a Nova Lei de Imigração (Lei nº 13.445/2017), que revogou o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6815/1980), está sendo estudada e debatida entre os magistrados da Justiça Federal do Ceará, que encerram nesta sexta-feira, 10/8, o curso de atualização em Direito Internacional.
O programa de Formação Continuada da Escola de Magistratura Federal da 5ª Região trouxe o professor universitário de Direito Internacional Público e Privado e de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, Paulo Henrique Gonçalves Portela. O treinamento, com carga horária de 20h/aula, destaca, além de seu conteúdo teórico, a abordagem de vários cases em grupos de estudo orientados por Paulo Portela e, também, pelo professor universitário e juiz federal George Marmelstein Lima.
Confira a seguir, entrevista com o professor Paulo Portela sobre os avanços e desafios da nova legislação:
O que o senhor ressaltaria da nova Lei de Imigração?
A nova Lei de Imigração vem trazer um novo paradigma para a política migratória brasileira. No antigo estatuto, a maior preocupação era com a segurança nacional, o estrangeiro era visto como um risco à segurança nacional, uma pessoa ser vigiada e monitorada. Na nova lei de migração, o paradigma é diferente: é a proteção dos direitos humanos dos estrangeiros. O Brasil é parte em vários tratados de direitos humanos e tem uma constituição preocupada com a dignidade da pessoa humana. Portanto, o Brasil precisou fazer essa lei para garantir aos estrangeiros que estão no território nacional os direitos para os quais fazem jus, direitos que são inerentes a sua dignidade.
Olhando a realidade brasileira, que situação poderia ser mais destacada? A dos venezuelanos agora em Roraima, os bolivianos em São Paulo, haitianos…
A nova lei de migração versa sobre vários assuntos do dia a dia da atividade relacionada a estrangeiros. Versa sobre vistos, sobre a deportação de estrangeiros, impedimento e repatriação de estrangeiros, versa sobre temas relativos a nacionalidade, assuntos ligados à cooperação internacional não penais como a extradição, mas a nova lei de Imigração já tem vários desafios práticos e o maior deles neste primeiro momento é a situação dos venezuelanos em Roraima, em que nós temos uma grande leva de cidadãos que fazem jus a determinados direitos, que fazem jus a socorro humanitário e, inclusive, a nova lei traz o visto de acolhida humanitária, um visto destinado a pessoas que fogem de grandes tragédia em seus países, tragédias humanas ou naturais, mas a nova lei encontra obstáculos muito grandes para a sua aplicação. A execução de suas normas vai requerer políticas publicas, vai requerer ação do poder executivo, para melhor a educação, o sistema de saúde, para promover uma melhoria no quadro da segurança pública, em suma, para efetivamente atender melhor os venezuelanos e efetivamente garantir os direitos aos quais eles fazem jus de acordo com a nova lei de imigração. é um grande desafio! Esse desafio já chegou aos tribunais. Há uma preocupação muito grande do estado de Roraima nesse ponto, chegaram inclusive a emitir um decreto fechando a fronteira. Esse assunto já passou pela Justiça Federal e, no momento, a fronteira está aberta. Já passou pelo STF (Supremo Tribunal de Federal) e a fronteira está aberta, mas ainda estão abertas também as soluções para o problema. Ainda há venezuelanos dormindo nas ruas, com dificuldade a ter acesso ao sistema de saúde e como isso vai ser resolvido? Esse é o primeiro grande desafio da aplicação da lei, que o poder executivo federal, estadual e municipal das cidades de Roraima estão sendo chamados a responsabilidade nesse momento.
O senhor avalia que a nova legislação está consoante com o que se observa sobre o tema em outros países?
Está totalmente consoante com os compromissos do Brasil no campo internacional, com os tratados de direitos humanos. O Brasil assumiu inúmeros compromissos na ONU (Organização das Nações Unidas), por exemplo, a OEA (Organização dos Estados Americanos), compromissos de proteger a pessoa humana. A nova lei reflete sobremaneira esses compromissos. O Brasil também procura se compatibilizar com legislações mais avançadas de outros países, ressaltando, porém, que hoje existe um problema migratório em vários países do mundo, que por fatores internos estão pondo graves restrições à entrada e permanência de imigrantes em seus territórios e essas restrições implicam muitas vezes em violações de direitos garantidos por normas internacionais. A gente vê, por exemplo, a detenção de crianças nos Estados Unidos, que viola claramente o direito a convivência familiar que é um direito garantido em tratados de direitos humanos; a gente tem um problema na Dinamarca de dificuldade em promover a reunião familiar, ou seja, o imigrante, o refugiado chega à Dinamarca e só pode trazer a família depois de algum tempo; nós temos alguns países que fecharam totalmente a porta para a entrada de refugiados, de pessoas que estão fugindo de perseguições por motivo de guerra, racial, religioso ou político. Vários países europeus estão fechando a porta. Então a nova lei de Imigração, insisto, é o reflexo dos compromissos internacionais do Brasil, reflete legislações avançadas quanto ao tema, mas é uma legislação também que vai contrariar o que acontece em vários países no mundo de negativo e vai colocar o Brasil inclusive como um país mais acolhedor para o imigrante ao menos do ponto de vista legal. Nós não temos uma intenção de fechar portas ao imigrante, de fazer restrições, então hoje, o Brasil está saindo melhor na fita do que outros países.